Movimento da gravura no Pará

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Armando Sobral





Em uma trajetória demarcada pela gravura, pelo processo de pesquisa, pela experimentação, Armando Sobral nos últimos anos tem transitado pela fusão de técnicas, pelas discussões referentes à História da Arte, à condição artesanal e conceitual em que os tempos se fundem, promovendo o encontro entre o passado e o mundo contemporâneo.
A paisagem e o humano unem-se em um cenário que delineia um lugar específico, simbólico de uma cidade que se constitui a beira do rio, em meio ao fluxo de trocas comerciais e culturais.  O Ver-o-Peso em sua geografia labiríntica, circunscrita por uma arquitetura resultante do período fausto da borracha, vivido entre o final do século XIX e começo do século XX, tornou-se um ícone de Belém, cidade situada ao Norte do Brasil.
As Mantas, aqui, não significam cobertor, mas largas tiras de peixe que ficam expostas ao sol, ao tórrido clima tropical. Estas tiras serviram de matriz para que Sobral desenvolvesse o seu trabalho. Foi em 1997, próximo ao Mercado, em pleno Ver-o-Peso, que o artista fotografou as postas de pirarucu salgadas, dependuradas no açougue, hoje desativado. No ano seguinte, a partir das fotos, realizou a gravura que recebeu o nome de Peixe, só depois as denominou: Mantas.
As Urnas também surgem do cenário do Ver-o-Peso, da imagem proveniente do vai-e-vem dos barcos abarrotados de potes de cerâmica, fazendo com que o barro quase se confunda com as águas, não fosse a cercania colorida, na qual predomina os adornos das embarcações. Para Armando Sobral a visualidade referencia o lugar, torna-se “valor matricial de identificação”. Como ele mesmo comenta: “A memória e o lugar atuam decisivamente em minhas escolhas”Daí Mantas e Urnas advirem da memória e do lugar que se tornou símbolo da cidade onde nasceu. Neste complexo sistema, convivem artistas, barqueiros, açougueiros, comerciantes, erveiros, usuários e turistas que tornam móveis os espaços e formam a malha de trocas culturais.
A escolha pela fusão da xilogravura e da escultura, por procedimentos artísticos que privilegiam o fazer coletivo, vêm se manifestando, principalmente, a partir dos anos 2000. Durante o Arte Pará 2006, as Mantas ocuparam o Mercado de Peixe e situadas atrás do boxe de cada peixeiro, receberam cheiros, resíduos de sangue, escamas, que, após o corte, respigavam na gravura. A memória recoberta de matéria acumulou-se ao tempo e aderiu à xilo, que já trazia o peixe salgado, transportado para a fibra da madeira, fixo à lona. Essas mesmas tiras de peixe, imanadas de histórias, transferem-se para o Labirinto do Ver-o-Peso, compartilhando com as Urnas um passado que se torna presente, se atualiza.
Ainda em 2006, Armando Sobral invade a sede da Fotoativa, ocupando espaços com enormes esculturas de madeiras, delicados e bélicos desenhos, além de gravuras que se concretizam no papel, no solo perfurado. Artefatos como pontas de lanças, armas ancestrais, cercam o ambiente, remetem ao passado que se sobrepõe a diferentes épocas, removendo camadas para que a estrutura da casa antiga seja revelada, em sua ruína. Imagens remotas evocado pela obra do artista se entrecruzam ao presente. Mais uma vez a relação espaço tempo se evidencia.                                                                            
Nova experiência, em 2009, Barroco, Traço Infinito repete o procedimento de Artefatos: promove o encontro com o trabalho artesão, no qual mãos e idéias dividem o ateliê; e sabe-se que “no interior do ateliê haverá um trabalho indissolúvel, de natureza teórico-prática, onde a artesanalidade e sua constante reelaboração estão numa dialética permanentemente pontuada pela produção de conceitos, que reiniciam outros ciclos do fazer”. Este princípio tem continuidade em 2010 com Jardins Sagrados, que reassume o Barroco, desta vez incorporando o espaço museológico, absorvendo-o em seus espelhos.
Contínuas pesquisas, processos que se encadeiam em tessituras formam um ciclo e permitem revelar o Labirinto Ver-o-Peso. Xilos e esculturas formam-se a partir do desenho, dos esboços, da fissura que se abre no branco do papel para que a forma nasça e materialize-se. Com as peças dispostas no espaço, o artista propõe que os corpos caminhem entre Urnas e Mantas. Só assim, as ânforas conservam o vinho, o sal conserva a carne e o ritual se cumpre.
Marisa Mokarzel
Belém 2010


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