“(...)
Mãos
carregam caixas
Calos
ardem
E os
prendem guindastes
E os
predem músculos e salário
Homens
sob caixas
Ombros
sob caixas
Sonhos
sob caixas
Seres sob
o peso
do
trabalho sem quimeras:
Caixas
sob caixas.”
Fragmento
do poema Cais do porto,
de João de
Jesus Paes Loureiro
Altar em
chamas, 1983
João Carlos Torres, ou simplesmente Jocatos, é um artista que dispensa
maiores apresentações para nós que vivemos e amamos as artes na Amazônia. Sua
seriedade e compromisso com a visualidade da região atravessam décadas de
trabalho árduo e inventivo. De espírito inquieto, pontua sua produção nas mais
variadas possibilidades de expressão, indo da pintura ao site specific com
muita desenvoltura e perspicácia. Mais particularmente, seu nome confunde-se com
a história da gravura no Pará e no Brasil.
Muito atento aos desdobramentos e exigências da arte hoje, procura ao
seu modo, traduzir os caminhos da contemporaneidade numa obra personalíssima e
de grande validade para compreendermos o que somos. Suas mãos calejadas já carregaram muitas caixas e latas.
Estas, mesmo que abandonadas, já inutilizadas pelo desuso, são resgatadas pela
memória e pela capacidade de resiginificação das coisas. Através do olhar sensível de Jocatos
deparamo-nos com este universo complexo, prenhe de significados. É barroco, é
violentamente delicado, é o refluxo da erudição plástica aportando no bairro
populoso e vibrante do Guamá: é a resposta possível, impossível de ser
ignorada.
Nesta exposição, as caixas e latas que carregou o transportam para
outras paragens, outras paisagens. Roda mundo, roda peão. O peão brincante que
gira-girando na mão espalmada de menino vira-virando prumo de mestre-de-obras
na mão firme do homem-artista. A ponta metálica do peão-prumo risca a lata,
marca o papel, marca a vida e a passagem do tempo. O espaço transmuta-se em
obra. O Canadá está aqui, o Guamá está aqui. O menino está aqui, o
homem-artista está aqui. O que viveu em Quebec, Nova York e Lisboa apruma-se
aos vestígios de seu eterno palacete guamaense.
Andarilho de dedos de aço vai tracejando seus encontros e desencontros.
Uma linha, uma mancha, uma transparência, uma sobreposição. Um dia, uma noite.
Noites brancas. Sol e abandono. Clareiras da alma. Carrega o buril no olhar,
mapas e territórios recém-descobertos: explorador de filigranas. Cartografias
em silêncio apontam para rumos não identificados. Sabemos de onde vem, jamais o
fim desta jornada.
Armando Queiroz
Curador e artista
visual
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